quarta-feira, 9 de maio de 2007

Breve retorno ao passado

Manhã chuvosa de quarta-feira.
Enquanto observo o céu cinzento, escrevo estas linhas para registrar o encantamento que senti ao reviver meu passado no último fim de semana.
Sampa, antiga terra da garoa, que conheço desde que nasci.
Esquina da Ipiranga com a São João, cenário tão afetivo e familiar de minhas andanças pelo centro da cidade, onde vivi até os 23 anos (já faz algum tempo...).
Virada Cultural, sábado à noite.

Zanzando pelo centro, experimentava aquela ocasião tão especial como uma criança experimenta um passeio ao parque de diversões. Fascinada com a movimentação de grupos os mais diversificados, tribos das mais diferentes espécies – mas, principalmente, bandos de jovens alegres e barulhentos –, eu passeava pelas ruas como se estivesse vivendo um sonho. Pessoas de todas as idades e de várias camadas sociais ocupando o espaço público da cidade? Teria eu voltado no tempo? No tempo em que São Paulo era uma cidade bela, acolhedora e pacífica?
Eu mal acreditava naquilo que via... Seria uma miragem? Eu e tantos milhares e milhares de pessoas caminhando à noite pelas ruas do centro de São Paulo, despreocupadas, sem medo da violência, sem medo de assalto? Paulistanos sisudos e defendidos interagindo uns com os outros nas filas como velhos conhecidos? Não... aquilo não era possível... Mas estava acontecendo, bem ali, diante dos meus olhos!

De repente me senti como no meu tempo de menina, quando andava pelo centro com minha mãe... Costumávamos ir com freqüência ao Municipal assistir a balés, óperas, concertos... fazer compras na Mesbla e no Mappin... Era tão bom o centro da cidade. Trago boas (e também más) recordações dessa época. Mas as lembranças boas são mais fortes para mim, são as que ficam para sempre. As ruins eu esqueço com facilidade, simplesmente não as cultivo. É por isso que me dá imenso prazer relembrar...
Trago vivas em mim essas memórias de infância e adolescência de uma autêntica paulistana nascida e criada no centro da mais cosmopolita das cidades brasileiras (com direito a tudo de bom e de ruim que isso possa significar). Eu me lembro tão bem das matinês de domingo de manhã no cine Metro, na São João. Nessa avenida ficavam também o Regina e o Comodoro; depois, veio o Cinespacial (um tanto estranho). Tinha o cine Marabá, o Metrópole, o Marrocos (maravilhoso!), o Ipiranga, o Olido... o Copan! Na época de faculdade, freqüentei assiduamente o cine Arouche, pertinho de casa. Era o Espaço Unibanco da época, um cinema cult. Fiquei inconformada quando o Arouche foi transformado em cinema pornô! Até hoje sinto saudades...

Minha “virada do avesso" – desvio inesperado e involuntário do presente momentâneo em direção ao passado remoto, como se eu tivesse sido transportada em uma espécie de máquina do tempo invisível a um tempo distante da minha existência – seguiu domingo adentro, num outro revival.
Roteiro: Pinacoteca – Museu da Língua Portuguesa – Estação Pinacoteca – Estação da Luz – Parque da Luz.
A estação e o parque da Luz estavam incluídos no meu trajeto diário para a escola, a Prudente de Moraes, situada ali, ao lado do parque, na avenida Tiradentes, quase em frente ao quartel da PM. A Estação Pinacoteca, bem... é uma história à parte. A visita ao antigo prédio do Deops, onde minha mãe trabalhou durante anos, me trouxe outras tantas recordações. Freqüentei muito esse lugar quando criança e me lembrei, como se fosse ontem, da época em que quebrei o braço, quando tinha uns 6 ou 7 anos... Depois de tirar o gesso, tive de fazer fisioterapia durante alguns meses para recuperar o movimento do braço, que havia ficado travado. E foi nesse prédio. Da janela do consultório, eu me distraía das dores que sentia observando os trens da Sorocabana. E o passeio ao parque da Luz, que há anos eu não visitava, me trouxe lembranças doces de infância: o coreto no meio da praça, onde sempre havia uma bandinha nos fins de semana; as bucólicas pontezinhas; o chafariz; os bancos e estátuas que serviram de pano de fundo para tantas fotos da garotinha de olhar tímido e arisco e, ao mesmo tempo, curioso e desafiador.

Fiquei emocionada com tantas coisas que vi, ouvi, senti... Meus sentidos, todos eles, os cinco e mais o sexto, quem sabe até o sétimo, se aguçaram, alerta. Eu me sentia tão atenta, tão ágil, tão viva! Tantas emoções me atravessavam, por todos os lados. No Museu da Língua Portuguesa fiquei com os olhos marejados assistindo à entrevista de Clarice Lispector. Senti uma intensa ressonância ao ouvi-la afirmar que em geral era uma pessoa alegre, mas estava triste porque estava cansada... naquele momento ela estava morta, até que alguma coisa nova nascesse... Também comigo sempre foi assim. Há épocas em que estou morta. E um dia, de repente, sem aviso prévio, renasço, e então a vida brota de mim ainda com mais força.
Mas essa já é uma outra, outra história... que fica para depois.

2 comentários:

Edson Marques disse...

Siomara,

Adorei o teu texto.

Conheci aqueles cinemas todos, e tenho saudades, também.


Se você não encontra razões para ser livre, invente-as.

Se puder, veja o vídeo Mude.

http://mude.weblogger.com.br

Abraços, flores, estrelas..

Siomara Spinola disse...

Obrigada, Edson.

É, só quem passou a infância e a adolescência em Sampa lá pelos idos dos anos... (ah, deixa pra lá) sabe o que era esta cidade. Bem, mas isso também acontece no Rio...

Vou dar uma olhada no vídeo e depois comento.

"Entender é uma criação, meu único modo."
(Clarice Lispector)

Grande abraço.
Siomara