sábado, 24 de março de 2012

Texto autoexplicativo

"Um cronópio encontra uma flor solitária no meio dos campos. Primeiro pensa em arrancá-la, mas percebe que é uma crueldade inútil, e se coloca de joelhos junto dela e brinca alegremente com a flor (...)
Um fama entra pelo bosque e embora não precise de lenha olha ambiciosamente para as árvores. As árvores sentem um medo terrível porque conhecem os hábitos dos famas e temem o pior. Entre elas há um belo eucalipto, e o fama ao vê-lo dá um grito de alegria e dança trégua e dança catala em torno do perturbado eucalipto, dizendo assim:
- Folhas antissépticas, inverno com saúde, grande higiene.
Puxa um machado e bate no estômago do eucalipto sem se importar com nada. (...)"

Júlio Cortázar. Histórias de cronópios e de famas.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A verdadeira vocação feminina é ser dona do próprio desejo

Diante da declaração do senhor Felipe Pondé, que se apropriou de forma indevida e oportunista de uma frase de Nelson Rodrigues para tentar convergir para ele as atenções, talvez a melhor atitude a tomar fosse simplesmente ignorar. O Pondé não está com essa bola toda, como ele acredita ou pretende, talvez daí essa necessidade de querer chamar a atenção e provocar polêmica a tudo custo. O problema da infeliz e equivocada afirmação ("Assim como a prostituta é a primeira vocação da mulher, afirmo: sou lido, logo existo") é que ela coloca a mulher como objeto do desejo do outro, e não do próprio desejo. Aí é que está a questão. Não se trata de reprimir o desejo, mas de ser dona do próprio desejo, não de atender a um desejo masculino, como é o caso da prostituta. Temos aí uma diferença muito grande. A prostituição não é uma "vocação" feminina, como esse pretenso "filósofo" supõe, mas uma criação masculina que está arraigada no imaginário dos homens. De fato, as coisas não mudaram com o passar do tempo, porém trata-se de uma outra questão. Trata-se, isto sim, de que, apesar da "liberação" feminina, a mulher ainda não conquistou o direito ao próprio desejo, mas continua submetida, na maior parte das vezes, ao desejo masculino. Esse é o ponto capital. O desejo feminino ainda é mal visto e, quando expresso, é sempre vinculado à prostituição, ou seja, à ideia de uma mulher submissa aos caprichos e vontades do "macho dominante". Faça-me o favor!