quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Teorema: uma proposição para os dias de hoje

Creio que muito já se falou sobre Teorema e não sei se vou trazer algo de novo aqui, mas, de qualquer forma, entre as várias interpretações possíveis do filme, históricas e a-históricas, penso que não dá para desvinculá-lo de sua estreita relação com a burguesia, pois trata-se, sem dúvida, de uma crítica contundente ao sistema capitalista industrial burguês.

Contudo, o filme extrapola o contexto político-histórico ao desenhar uma cartografia sentimental das relações que se estabelecem entre as personagens, atravessadas por diferentes afetos em diferentes intensidades. Transcendendo as questões políticas, sociais, econômicas, Pasolini coloca questionamentos ligados ao sistema de crenças e valores, ao sentido da vida, enfim, sob a forma de metáforas. A sexualidade é o canal por onde os fluxos se movimentam.

Uma vez que um teorema é uma proposição que, para ser admitida ou se tornar evidente, necessita de demonstração, assim Pasolini irá demonstrar cuidadosamente sua tese por meio de experiências às quais suas personagens estarão expostas e de certa forma submetidas.

Estimuladas por um misterioso e metafórico visitante (que encarna “o desconhecido”), hipnotizadas, fascinadas pelo que ele representa para elas (a “salvação” para as suas vidas medíocres e entediantes), as personagens passam a se mover sob seus comandos, sob o poder encantatório que ele exerce sobre elas. Como será, afinal, experimentar o desconhecido?

As experiências vividas com o estranho, com o desconhecido, destroem os referenciais sobre os quais cada personagem havia construído sua identidade, resultando no vazio insuportável que precisa ser novamente preenchido por algo. Como suportar a perda das referências que as identificam em termos de conduta sexual, padrão de vida, posição social, profissão, etc.? O que restaria ao ser humano desprovido de suas máscaras? O que lhe restaria ao perceber que sua existência não passa de uma ficção, de uma mentira? Pois, ao perceber a condição artificial de suas existências, as personagens “enlouquecem”. Uma delas entra em estado de choque porque deseja a todo custo reter em suas mãos, capturar e conservar para si aquilo que lhe causou prazer; outra torna-se compulsiva na busca de satisfação sexual por meio de sucessivas aventuras; outro torna-se vítima de um delírio artístico, de uma obsessão criadora; uma outra se “santifica” e cria um mundo místico ao seu redor. Terá ela se salvado?

A cena final do industrial totalmente despido representa o ser humano despojado de todos os valores sociais e de todas as vaidades humanas: sem identidade, sem rumo, completamente só em meio ao deserto desconhecido, onde só o tempo, voraz, se faz presente, passado e futuro. Um homem nu, desterritorializado, sem posses, sem status. Seu grito parece ser de desespero, de angústia, de solidão, mas também pode ser de uma libertação. Contudo, é angustiante, ainda que revele uma possibilidade de redenção.

Siomara Spinola

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Espreita

Onde
tá tu
tatu?
Na toca?
Na espreita?
À espera?
Mas... a hora
Não é agora?
Quem sabe
Talvez não
Não importa
A hora se faz
Ela própria
Nas tramas
Nas linhas
Nos fios
Invisíveis
Do pensamento

terça-feira, 24 de março de 2009

Estética da abdicação

"Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidades de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre. O melhor e o mais púrpura é abdicar..." (Fernando Pessoa)

domingo, 22 de fevereiro de 2009

A vida sempre grita

A vida sempre grita!

Os seres, ainda que confinados, encontram frestas por onde escapar... Nem todas as existências aprisionadas aceitam passivamente sua condição. Elas se movem numa superfície lodosa e malcheirosa, sim, mas se movem, mesmo imperceptivelmente.

Por mais que se tente, por todos os meios, confinar definitivamente a vida, encurralá-la, enclausurá-la, sempre ela escapa, sempre irá escapar, de uma forma ou de outra, bem debaixo das vistas míopes dos representantes do poder.

A existência que respira, ainda que com certa dificuldade, o ar fresco e rarefeito da liberdade, que sente dentro de si o seu sopro revigorante e selvagem, essa existência, mesmo limitada pela "arquitetura do cativeiro", encontra a força necessária para modificar o ambiente e a si própria. Nada e ninguém a pode conter.

Uma tal existência nunca estará totalmente capturada. Ela resiste e insiste na vida imanente. Ela se afirma no grito!